terça-feira, 10 de maio de 2011

O enredo de uma história improvisada.

Por: Paulo Diesel

Pronto.

A música já estava tocando na “eletrola” e ele olhando pela janela sentia que algo estava por acontecer.
Premonição? Experiência? Sexto sentido?
Não.
Aquela cena ele escrevera no rascunho, riscara palavras, frases inteiras, substituira verbos, adjetivos e parágrafos. Aquela cena ele lera e relera por milhares de vezes e decorara todos os passos que deveria dar e todos os passos que ela daria, mas o que estava vendo pela janela divergia um pouco do texto original.
Era hora do improviso. Ação e reação. Ele percebeu-a cada vez mais perto e levemente encostou o rosto na porta, aguardando uma batida, um toque de campainha, um abrir direto na maçaneta dourada mergulhada na madeira nobre, um grito, uma chamada, mas nada, nada do exaustivamente ensaiado acontecia.
Mistério.
Dois corpos separados por uma porta de madeira nobre não se tocavam, não se viam, não se sentiam, mas um percebia a presença do outro e um culpava o outro pelo desvio do script da história que não se realizava. Não havia diálogo, nem palavras. Ouvia-se apenas o respirar ofegante de cada um em seu lado da porta e a música que insistia em espalhar sua melodia e letra.
Mas o que dera errado? Seriam os obstáculos tão concretos que nem mesmo o enredo de uma história bem escrita, bem decorada, bem ensaiada, conseguiria transpô-los? Ou seriam os sentimentos tão abstratos e insólitos que ao primeiro obstáculo encontrado se dissipariam no ar?
As mãos dela ainda deslizavam na madeira fria da porta que os separava, como que a procurar as dele e agora, em fuga, deixava no ar aquele perfume que exalava. Não o cheiro de um frasco francês diminuto, mas sim o cheiro que ele sentiu na primeira vez que a viu, naquele bar de tantas esquinas, que frequentavam e desaparece sem deixar vestígios nem completar a história escrita, reescrita, decorada e ensaiada.
Ele, ali, prostrado, a espera de que algo aconteça para mudar o imutável. A música que não acaba, as taças e o vinho intocados, a mesa posta e as segundas intenções que sucumbiram diante de uma porta que se atravessara no caminho do amor, da conquista, da paixão e da história que não acabou, da história que não começou e da história que nunca aconteceu.

11 comentários:

Tatiana Kielberman disse...

Perfeito mistério, maravilhosa combinação de cenas...

Coração bateu mais forte!

Beijos, Paulo querido!

Sil Villas-Boas disse...

Este conto está muito bom, Paulo.
Obrigada por postá-lo aqui no Jardim.
Bjusss
Sil

Anônimo disse...

Angústia do que seria e não foi

Muito bom Paulo!

Unknown disse...

Tudo aquilo que poderia ter sido e não foi...sempre um dilema em nossas vidas.
Que conto mais lindo.
Amei!

Anônimo disse...

Lindo mesmo!!!!

Rosamaria disse...

Só precisamos de um bocado de coragem pra seguir o que o coração nos pede.

Beijão poeta
Outro pra vc Sil

O Celeiro 1 disse...

Tenho muito a aprender contigo!
Abraço e aplausos de pé!

Fernanda disse...

Ótimo conto da beleza das coisas incompletas.

Unknown disse...

Bom o que dizer depois de ler uma pérola dessas? Lindo texto emocionante nos prende a atenção o tempo todo, ansiosos para um dos dois abrir a porta logo e se renderem um ao outro, mais lhes faltou coragem de arriscar, desta vez ela não bateu a porta mais essa tal felicidade não costuma voltar com a mesma intensidade. Passado uns instantes paira no ar a dúvida e se eu tivesse tomado a iniciativa e fizesse a porta se abrir? E se eu tivesse dito algo? E se eu tivesse feito barulho? O Se fará parte dos pensamentos de ambos, e esperando a volta da tal felicidade!!

Ana Morais disse...

Um encanto, que ficou a me encantar, em silêncio permaneço.
Feliz por encontrar o teu espaço.

Um grande beijo, Poeta.

Marília Felix disse...

Ah, adoro esse gostinho de mistério nas palavras!
Adorei!

Bjos.

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